1 - Tendo Jesus celebrado a ceia com os seus discípulos, e tendo sido, na mesma noite, entregue aos poderes do mundo, celebra-se hoje então sua morte sacrifical, sua Paixão e sua cruz gloriosa. Note-se, porém, que, embora entregue por Judas, em ação, diríamos “policial” e criminosa, sua morte é resultante, teologicamente, de sua auto-entrega, para a nossa salvação. No Mistério Pascal do Crucificado e Ressuscitado, não se trata de “morte oferecida”, mas de vida que se doa totalmente por amor, pois somente a vida é dom que se pode ofertar.
2 - Na sua viva liberdade, então no evangelho, Jesus dirá: “Ninguém me tira a vida, mas eu a dou por própria vontade. Eu tenho o poder de dá-la, como tenho poder de recebê-la de novo. Tal é o encargo que recebi de meu Pai” (cf. Jo 10,18). E acrescentamos: o Pai (Deus) não condena o Filho à morte. Ao contrário, salva-o da morte para a mais plena glorificação. Diríamos que a ressurreição de Jesus é a resposta mais clara do Pai à diabólica perversidade dos opressores de seu Filho.
3 - Para a compreensão teológica do Mistério Pascal, devemos saber que todo amor verdadeiro está sempre pronto para ser imolado. Deve ser dom de si, efusão que pode chegar ao exaurimento, à “kênosis”, ao esvaziamento total. Dir-se-á certamente que este amor é utópico, irreal, como já noutro texto se expôs. Mas – tenhamos certeza - este é o amor com que Deus criou o mundo e com o qual nos sustenta e envolve. É, sim, o amor que Jesus nos revela em sua missão redentora, amando-nos até o fim (cf. Jo 13,1). Assim, a Páscoa de Jesus manifesta aos nossos olhos o mistério insondável e eterno do Pai. Numa renúncia total de si mesmo, o Crucificado entra para sempre num mistério de imolação e se torna eternamente o Ressuscitado e Senhor (Kyrios), pelo Pai exaltado e glorificado (cf. Fl 2,6-11). Em resumo, podemos dizer que é isto que celebramos na Sexta-Feira Santa.
4 -Acrescentando ainda ao que acima foi dito, queremos notar que a morte, enquanto realidade biológica, é inevitável. Porém, em seu aspecto pessoal, ela tornou-se em Cristo um ato de liberdade e de amor, como vimos acima. Notemos ainda que Deus não hesitou em fazer de seu próprio Filho amado um ser mortal. Assim, conhecendo o desígnio do Pai, o Filho, abandonando-se em suas mãos, é glorificado na morte e torna-se o Salvador do mundo. Como vemos sobretudo em João, Jesus não vence a morte fugindo dela, mas assumindo-a, no ardor da vida.
5 - A propósito, acenando para a morte de Jesus, a primeira antífona da salmodia das Vésperas do Sábado Santo, fazendo eco a Oséias e a Paulo (cf. Os 13,14; 1Cor 15,54-55), vai solenemente cantar: “Ó morte, eu serei a tua morte! Ó Inferno, eu serei tua ruína!”. Também o Prefácio dos Fiéis Defuntos, confessando a fé na ressurreição, proclama em tom pascal: “Senhor, para os que creem em vós, a vida não é tirada, mas transformada. E, desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível”.
6 - Voltando-nos para a liturgia, queremos notar que, neste dia, não se celebra a Eucaristia, como também nenhuma outra liturgia senão a Solene Ação Litúrgica da tarde. É um dia marcado pelo pesar e pelo jejum. De participação viva na Paixão do Senhor, como foi historicamente acontecido. O jejum da Sexta-feira Santa é, como nos ensina a reforma litúrgica, “jejum pascal”, e é desejável que ele se prolongue, quando possível, até o Sábado Santo, numa identificação mais profunda com a prática dos Apóstolos e dos primeiros cristãos, pondo em prática o que o Senhor disse em Mt 9,14-16 e Lc 5,33-35, ou seja, que, quando ele lhes fosse tirado, os discípulos então jejuariam.
7 - Note-se que na Sexta-feira Santa o próprio clima da igreja é de paixão. Ela está despojada: altar desnudado, sem flores, sem som festivo, sem velas e sem canto no início da celebração. Apenas na hora da comunhão coloca-se sobre o altar uma pequena toalha, o corporal e as âmbulas. Saibamos, porém, que nem tudo na Sexta-Feira Santa é dor e tristeza. Já foi dito que, na espiritualidade do Mistério Pascal, a cruz se mergulha na glória e a tristeza se converte em alegria. Por isso, a cruz, em rito solene, é mostrada aos fiéis e por eles adorada, momento em que se cantam não apenas os lamentos do Senhor, mas também cantos da cruz triunfante e gloriosa, e isto supõe a desejável formação litúrgica das equipes de celebração.
8 - Como diz o Diretório Litúrgico da CNBB, “na glória da cruz brilha o mandamento novo do amor; no brilho da cruz resplandece a Eucaristia, o sacramento do amor; e no resplendor da cruz somos chamados a fazer o que ele nos mandou: "Fazei isto em memória de mim". Toda a Quinta-Feira Santa então como que se torna presente, de maneira sacramental, na Ação Litúrgica que celebramos, e em verdadeira anamnese litúrgica.
9 - A Igreja celebra na Sexta-Feira da Paixão, como veremos, uma solene ação litúrgica, na parte da tarde, constituída de quatro partes: Liturgia da Palavra, oração universal, adoração da Cruz e comunhão eucarística, esta guardando memória da noite anterior, com hóstias consagradas na missa solene da Ceia do Senhor, como acima foi afirmado.
10 - Na celebração solene, o rito inicial é feito em silêncio e sem canto de entrada e sem a saudação e o ato penitencial habituais. Chegando ao altar, o sacerdote se prostra ou se ajoelha. Também a ajoelhar-se, por um instante, são convidados os ministros e toda a assembléia celebrante. Logo após, dirigindo-se ao altar, sem saudar a assembleia, o sacerdote reza uma oração própria, sem o “Oremos”, e se inicia a Liturgia da Palavra. Na primeira leitura, Isaías fala-nos do servo padecente, que a liturgia aplica a Cristo, o verdadeiro servo de Deus. O salmo 31[30] é outra passagem profética que se aplica ao servo sofredor. Já a segunda leitura, da Carta aos Hebreus, é uma revelação bíblica do sacerdócio de Cristo, sacerdócio único, do qual todos nós participamos pelo Batismo. Na leitura da Paixão, aplica-se a mesma orientação do Domingo de Ramos.
11 - A Liturgia nos revela não só que o Cristo crucificado exerce a sua realeza a partir da Cruz, como João nos mostra na leitura da Paixão, mas é também ele o verdadeiro e único sacerdote do Reino de Deus Pai, na perícope bíblica da segunda leitura. Podemos afirmar que João lança um olhar mais teológico sobre a Paixão do Senhor, não se preocupando com uma correta narrativa histórica. Faz parte ainda da Liturgia da Palavra a Oração Universal, com suas dez intenções. Tudo indica que tal oração dá origem às preces da comunidade em nossas missas e se inspira nas recomendações de São Paulo a Timóteo (cf. 1Tm 2,1-2).
12 - Esclarecendo um pouco mais o que acima se diz, queremos dizer que João, por exemplo, deixa entender que Pilatos não tem poder sobre Jesus, mas é Jesus, em sua soberania e fidelidade ao Pai, que julga Pilatos, representante do poder político e opressor. Na verdade, Pilatos se apresenta como num teatro, e como péssimo ator, entrando e saindo em seu próprio recinto, e cada vez mais tonto, como barata. Pilatos se apresenta, na verdade, como um juiz medíocre, isto sim. Na mesma compreensão, João faz ver, igualmente, que não são as autoridades religiosas que condenam o Divino Mestre, como parece, mas é Jesus, em sua soberania, que as condena, por serem elas, naquele contexto, igualmente opressoras.
13 - No segundo momento da Ação Solene, vamos ter a Adoração da Cruz. Ela é trazida, processionalmente, da sacristia ou do fundo da igreja, pelo diácono ou pelo sacerdote, ladeado por dois acólitos, com velas acesas e coberta com véu vermelho. É então mostrada aos fiéis num rito em que, por três vezes, com o canto “Eis o lenho da cruz...”, é desvelada. É previsto para esse momento um pequeno instante de adoração coletiva e silenciosa, ficando os fiéis então de joelhos. Para facilitar a adoração individual, o sacerdote ou um ministro coloca-se diante do altar segurando a Cruz e cada fiel se aproxima para o seu gesto de adoração. Nesta adoração respeite-se a espiritualidade dos fiéis, a qual pode ser expressa pelo tradicional beijo, pela genuflexão, ou inclinação da cabeça ou do corpo.
14 - Saibamos que a Cruz, na leitura cristã, não deixa de ser penosa, sobretudo para os pobres, mas é também cruz gloriosa, triunfante, pois é o madeiro sagrado de nossa redenção. Na vivência da espiritualidade do Mistério Pascal, não queiramos pedir a Deus uma cruz leve para a nossa vida, uma “cruz de isopor”, diríamos, mas aceitemos a que Ele nos destinou, feita certamente sob a nossa medida. Na vida cotidiana, como também na liturgia, não seja a cruz então celebrada e vivida como “sinal negativo”, como “cruz dolorosa”, esta sempre inclinada a provocar mais ainda o "dolorismo" em tantos cristãos. Terminado o rito da adoração, a Cruz é colocada no centro do altar, com as duas velas nas extremidades, ficando elas acesas até o final da celebração.
15 - O terceiro e último momento da liturgia é o da comunhão. Como se falou antes, é colocada sobre o altar apenas uma pequena toalha, o corporal e as âmbulas, contendo hóstias consagradas na missa da Quinta-Feira Santa. Ao som de matraca, se possível, (que contrasta com o som da campainha) por ministros as âmbulas são trazidas da capela ou do lugar digno em que foram recolhidas e guardadas na missa da Quinta-Feira Santa. Aqui então, simbólica e sacramentalmente, une-se a liturgia da Sexta-Feira Santa à da Ceia do Senhor. Após a oração do Pai Nosso, como na missa, mas sem a oração e o abraço da paz, o rito da fração do pão e o canto ou a recitação do Cordeiro de Deus, reza-se o 'Eis o Cordeiro' com sua resposta 'Senhor, eu não sou digno/a' e é distribuída então a comunhão aos fiéis e, caso haja ainda hóstias consagradas, estas voltam novamente para o lugar de reposição, observando-se o mesmo rito em que foram levadas ao altar. Não há ofertório nem consagração ou oração Eucarística, pois não há a renovação do Sacrifício.
16 - A exemplo do rito inicial, também o rito final é simples: após a oração depois da comunhão, o sacerdote estende as mãos sobre o povo e pede a Deus a bênção sobre ele. Omitem-se os avisos, a bênção final e a despedida, e todos se retiram em silêncio.
Leituras bíblicas da Sexta-Feira da Paixão - 'Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem' / 'Mulher, eis aqui o teu filho' / 'Em verdade eu te digo: estarás comigo no Paraíso' / 'Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?' / 'Tudo está consumado' / 'Pai, em tuas mãos entrego o meu Espírito':
1ª leitura: Is 52,13-53,12
Salmo Responsorial: 31(30),2.6.12-13.15-16.17.25 (R/. Lc 23,46)
2ª leitura: Hb 4,14-16; 5,7-9
Paixão do Senhor: Jo 18,1-19,42
1 - A tradição cristã sempre associou a noite da ressurreição à noite da páscoa judaica, descrita em Ex 12,1-14, com o caráter, porém, de vigília em honra do Senhor. E a Igreja, a exemplo de seu mestre, não celebra também a Eucaristia desde a noite de Quinta-Feira Santa, até que o Senhor ressuscite verdadeiramente (cf. Lc 22,16). O Sábado Santo se caracteriza também como dia de silêncio e de pesar, mas vivido na expectativa da ressurreição do Senhor. Tornou-se hábito chamar o Sábado Santo de Sábado de Aleluia, mas o correto é chamá-lo de Sábado Santo, porque durante o dia Cristo está morto no túmulo.
Assim como na Sexta-feira Santa, não se celebra a Eucaristia. As únicas celebrações que fazem parte são as da Liturgia das Horas. É proibido celebrar qualquer outro sacramento, exceto o da Confissão e da Unção dos Enfermos. São permitidas exéquias, mas sem celebração de Missa. A exceção para a qual a Eucaristia é permitida é no caso de viático, isto é, em perigo iminente de morte.
2 - Mãe de todas as santas vigílias, na expressão de Santo Agostinho, a Vigília Pascal faz resplandecer no horizonte da vida humana a recapitulação de todo o universo em Cristo. É a noite gloriosa do Senhor, que dá dimensão e sentido também à noite do Natal. Nesta vigília, a Palavra de Deus vai ressoar no coração de toda a Igreja, mostrando a todos os fiéis como Deus é fiel no cumprimento de suas promessas. Entoa-se solenemente o Glória, e, depois das longas semanas da Quaresma, volta-se a entoar o Aleluia em verdadeira exultação pascal.
3 - A liturgia desta Sagrada Vigília vai, assim, se desenrolando aos nossos olhos como uma celebração cada vez mais iluminadora de nossa vida, dando-lhe um sentido inteiramente novo, encorajando a nossa existência para a nobreza de uma vida fraterna. Assim, o Círio Pascal, preparado, aceso e conduzido no início da celebração, em rito processional, como que dissipando as trevas do mundo, no simbolismo da igreja apagada, lembra-nos a coluna de fogo, na qual Javé precedia, na escuridão da noite, o povo de Israel ao sair do Egito (cf. Ex 13,21-22). Cristo é a luz do mundo, e quem o segue não anda nas trevas (cf. Jo 8,12), eis o simbolismo último do Círio Pascal.
4 - O tesouro maior da liturgia encontra-se, pois, nas celebrações desta noite. Como já se falou, o Tríduo Pascal da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor é a celebração mais importante na vida da Igreja, com sua posição mais alta na escala da Liturgia. São quatro os momentos litúrgicos da Vigília Pascal: a Liturgia do Fogo e da Luz, a Liturgia da Palavra, a Liturgia Batismal e, encerrando, a Liturgia Eucarística.
LITURGIA DA LUZ E DO FOGO
5 - Com a igreja apagada, inicia-se a Liturgia da Luz, na porta da igreja ou em outro local apropriado, com a bênção do fogo e a preparação do Círio, estas com ricas palavras alusivas a títulos do Senhor: na incisão vertical do Círio: “Cristo, ontem e hoje”; na incisão horizontal: “Princípio e fim”; na colocação da primeira e da última letra do alfabeto: “Alfa e Ômega”, ou “A e Z”; na inserção dos números do ano civil, como que inserindo o tempo atual na eternidade: “A ele o tempo” (1º número) “e a eternidade” (2º número), “a glória e o poder” (3º número) “pelos séculos sem fim. Amém” (4º número)). Pregando os grãos de incenso no Círio, em forma de cruz, de cima para baixo (3) e da esquerda para a direita, nas extremidades (2), como as cinco chagas, o texto continua: “Por suas santas chagas, (1) suas chagas gloriosas (2), o Cristo Nosso Senhor (3) nos proteja (4) e nos guarde. Amém (5)”.
6 - Preparado o Círio, o sacerdote vai acendê-lo no fogo novo, benzido no início, dizendo: “A luz do Cristo que ressuscita resplandecente dissipe as trevas de nosso coração e de nossa mente”. Em seguida, elevando o Círio, canta por três vezes “Eis a luz de Cristo”, a que a assembleia responde “Demos graças a Deus!”.
7 - O Círio então é conduzido processionalmente, do local preparado ou da porta pelo centro da igreja. Os fiéis podem acender nele as suas velas. Na terceira vez do canto, acendem-se as luzes da igreja, apagada desde o início, e o Círio é então colocado no lugar próprio, onde vai ser incensado. Canta-se em seguida o Exultet, chamado também "Precônio Pascal” (Proclamação da Páscoa), findo o qual se encerra a Liturgia da Luz, momento em que os fiéis apagam suas velas.
Notas:
a) – No movimento para a Igreja, convém que apenas o Círio Pascal guie a procissão, dispensando-se então a cruz processional e as tochas. A explicação é simples: a Cruz e o Círio não são apenas “símbolos litúrgicos”, mas “sinais cristológicos”, e na Liturgia deve-se evitar a duplicidade do mesmo sinal, quando possível. Quanto às tochas, estas não podem obscurecer a luz do Círio, como que querendo completá-la. Atente-se ainda para a lógica do rito: os fiéis é que acompanham o Círio, na lembrança feliz de Jo 8,12, onde Jesus diz: "Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não caminha nas trevas, mas terá a luz da vida".
b) – É recomendável para o Tempo Pascal, quando possível, que o Círio Pascal seja conduzido na procissão de entrada, a fim de se enfatizar mais a sua importância na dinâmica inicial da celebração. Nesse caso, penso que a cruz processional e as velas podem ficar dispensadas, dada a explicação acima.
LITURGIA DA PALAVRA
8 - Nove leituras são propostas na Liturgia da Palavra da Vigília Pascal, sete do Antigo Testamento e duas do Novo. As do AT podem ser reduzidas a três, permanecendo as duas do Novo Testamento, sendo que, do AT, a terceira leitura não pode ser omitida, por tratar da saída do povo de Israel do Egito, figura, pois, da libertação definitiva operada por Deus através de seu Filho Jesus. Cada leitura é seguida de um salmo responsorial (a 3ª e a 5ª, de cântico bíblico) e de uma oração sálmica, presidencial, esta muito objetiva, ligada também à própria leitura. Os textos bíblicos do AT aludem à criação e às intevenções de Deus na história da salvação, tudo apontando para a realização plena em Jesus Cristo.
9 - Encerradas as leituras do Antigo Testamento, entoa-se solenemente o Glória, já a partir de agora na harmonia do órgão e de instrumentos musicais, estes em silêncio, como sabemos, desde a noite da Quinta-Feira Santa. Diferente do que acontece na missa, o Glória aqui é cantado após as leituras. Ele é como um salmo cristão, marcando a passagem do Antigo para o Novo Testamento. Acendem-se também, neste momento, as velas do altar, tirando sua chama do Círio Pascal. Aqui a Igreja se reveste de toda a alegria pascal. Segue-se então ao canto do Glória a primeira leitura do Novo Testamento (Rm 6,3-11), que é uma alusão profunda ao fato neotestamentário, ou seja, a regeneração pelo Batismo, o homem novo, na expressão de São Paulo. Todos nós, sepultados com Cristo, pelo Batismo, com Cristo também ressuscitamos. É, pois, a novidade total, razão última da redenção operada por Deus.
10 - É interessante notar que, com a última leitura do Antigo Testamento, este não é mais lido na Liturgia até Pentecostes, fim do Ciclo Pascal. Como primeira leitura, a Liturgia vai usar os Atos dos Apóstolos, como que contando e revelando a sua própria história, já então mergulhada do mistério do Cristo Ressuscitado.
11 - Cantado, após a leitura de São Paulo, o Salmo aleluiático da ressurreição (Sl 118[117], pode-se entoar solenemente o tríplice Aleluia, proclamando, em seguida, o evangelho, levando-se em consideração o ciclo anual de A, B e C. Com a homília, encerra-se a segunda parte da liturgia.
Textos bíblicos da Vigília Pascal - 'Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição':
1ª leitura: Gn 1,1-2,2, ou breve: 1,1.26-3a
Salmo 104(103),1-2a.5-6.10.12.13-14.24.35a ou Sl 33(32),4-5.6-7.12-13.20.22
2ª leitura: Gn 22,1-18 ou breve: 22,1-2.9a.10-13.15-18
Salmo 16(15), 5.8.9-10.11
3ª leitura: Ex 14,15-15,1a
Cântico bíblico: Ex 15,1b-2.3-4.5-6.17-18
4ª leitura: Is 54,5-14
Salmo 30(29),.2.4.5-6.11.12a.13b
5ª leitura: Is 55,1-11
Cântico bíblico: Is 12,2-3.4bcd.5-6
6ª leitura: Br 3,9-15.32-4,4
Salmo 19(18),8.9.10.11
7ª leitura: Ez 36,16-17a.18-28
Salmo 42(41),3.5bcd; 43(42),3.4
8ª leitura: Rm 6,3-11
Salmo 118(117),1-216ab-17.22-23
9 – Evangelho: Ano A: Mt 28,1-10 Ano B: Mc 16,1-7 Ano C: Lc 24,1-12
LITURGIA BATISMAL
12 - Como se sabe, sempre a noite da Vigília Pascal do Sábado Santo foi escolhida para a celebração mais apropriada do Batismo, principalmente de adultos. Ainda hoje há também esta recomendação pastoral, infelizmente não levada muito a sério por algumas comunidades. Nesta parte da liturgia, além do batismo daqueles que foram preparados na Quaresma, faz-se também a renovação das promessas batismais de todos os fiéis. Este é, aliás, um rito que deve sempre ser vivido e valorizado em função do sentido pascal, assumido pelo Batismo, pois, pela renovação das promessas batismais, atinge-se a culminância dos exercícios quaresmais.
13 - Inicia-se, pois, essa terceira parte da Vigília Pascal com o chamado dos batizandos pelo presidente e apresentação deles à assembleia, seguindo-se o canto da Ladainha de Todos os Santos e a bênção da água batismal. Na bênção da água, pode haver a imersão nela do Círio Pascal e sua emersão, significando, pela imersão, a nossa morte com Cristo e, na emersão, a nossa ressurreição com ele. Prossegue então a liturgia: com o Batismo (se houver), com a renovação das promessas batismais e com a aspersão da assembleia, encerrando-se a terceira parte da liturgia. No fim da aspersão, os fiéis apagam as suas velas, as quais são acesas no início da renovação das promessas batismais.
14 -Ainda com referência à Liturgia Batismal, é preciso que se observe o seguinte: a Ladainha de Todos os Santos só é cantada ou rezada quando houver batismo ou bênção da água batismal. Quando o sacerdote benze a água só para a aspersão da assembleia, a ladainha é omitida e, nesse caso, a oração é também mais simples, reduzida, não tão rica como a do rito batismal, em que há a imersão do círio, como falamos. De fato a oração com o Círio é consecratória, numa referência muito rica à criação e à história da salvação.
15 - Pelo que foi exposto acima, quando não houver batismo é aconselhável fazer pelo menos a bênção da água batismal, que será usada na aspersão e nos batizados do Domingo da Páscoa, podendo então aí cantar a Ladainha, empobrecendo menos a liturgia. O que não se deve fazer, e isto acontece talvez por desconhecimento, é cantar a Ladainha sem que haja a celebração do batismo nem bênção da água batismal.
LITURGIA EUCARÍSTICA
16 - A quarta e última parte da grande Vigília Pascal do Sábado Santo é a Liturgia Eucarística, celebrada pela última vez na noite da Quinta-Feira Santa. Aqui ela volta, tendo em vista o cumprimento da profecia do próprio Cristo, segundo a qual ele só voltaria a celebrá-la no Banquete eterno do Reino do Pai (cf. Lc 22,16).
17 - A Eucaristia, que agora então se celebra, inicia-se com as preces da comunidade, seguida da preparação e apresentação das oferendas, pois toda a Liturgia da Palavra e ritos iniciais foram liturgicamente celebrados nas partes anteriores da Vigília Pascal.
18 - Podemos dizer que a fisionomia dessa última parte é de alegria pascal, de Igreja enternecida com a luz do Cristo Ressuscitado, mergulhada no abismo de tão profundo mistério e envolvida com a missão redentora de seu Divino Mestre. A fisionomia dos participantes deve ser então uma fisionomia de ressuscitados, de homens novos, gerados que foram pela graça redentora de Cristo, contemplando agora um horizonte sempre mais resplandecente e mais fúlgido. Fisionomia - devemos insistir - de homens capazes de reconstruir um mundo novo, alicerçado na paz, na justiça, no amor, na concórdia e na fraternidade, onde a Eucaristia brilhe mais intensamente como lugar de partilha, de verdadeira comunhão e de ação libertadora, no sinal vivo do Cristo Ressuscitado.
1 - O tema central do Domingo da Páscoa, como não poderia deixar de ser, é o da ressurreição do Senhor. “Deus o ressuscitou”, eis a frase principal (cf. At 10,40; Lc 24,34), como fórmula clássica da fé e da pregação cristã. Deus faz justiça ao Filho, ressuscitando-o (cf. Jo 16,10). Ressuscitado, Jesus mostra que as Escrituras falam dele com clareza (cf. Lc 24,25-27) e faz o coração dos discípulos arder (Lc 24,32), dando-lhes a conhecer no partir do pão (Lc 24,30-31). Assim, a ressurreição de Jesus nos dá a certeza de nossa própria ressurreição (cf. Jo 11,25; 14,1-4), como também a certeza de sua presença mais viva entre nós, principalmente quando nós a pedimos (cf. Lc 24,29).
2 - Na reforma da liturgia, somente o Natal e a Páscoa têm sua celebração com oitava, isto é, com um prolongamento da festa por oito dias, onde a liturgia dá ênfase ao tema central comemorado. Também, a exemplo do Natal, a missa do Domingo da Páscoa tem suas perícopes evangélicas mudadas, de conformidade com o fato histórico. Assim, na missa da noite (4ª parte da Vigília Pascal do Sábado Santo, ligada, em essência, à 2ª parte - Liturgia da Palavra), o Evangelho, segundo o ciclo anual de A, B e C (Mt 28,1-10; Mc 16,1-12 e Lc 24,1-12), sempre vai trazer o relato do sepulcro vazio e das aparições às santas mulheres. Já na missa do dia, o evangelho é de João (Jo 20,1-9), que relata a corrida de Pedro e de João ao sepulcro, diante do fato narrado pelas mulheres. Pode também ser o da Vigília Pascal.
3 - Nas missas vespertinas, o evangelho pode ser o de Lc 24,13-35, que narra a desilusão dos discípulos de Emaús, na tarde daquele primeiro dia da semana, isto é, no Domingo da Ressurreição, quando então voltaram de Jerusalém para a aldeia, comentando todos os acontecimentos daqueles dias. Vê-se, pois, que as perícopes evangélicas narram os fatos de maneira cronológica, ou seja, na ordem própria dos acontecimentos.
4 - O Domingo da Páscoa é então o grande Dia do Senhor (Sl 118[117]), 24), que torna pascais todos os domingos e faz de todas as celebrações litúrgicas, centradas como estão no Mistério Pascal de Cristo, momentos salutíferos de redenção, de exaltação e de louvor ao Deus vivo e verdadeiro (cf. Ap 1,17-18). Seu clima é então continuação e plenificação ainda mais daquilo que falamos sobre a Celebração Eucarística da Vigília Pascal e, na qualificação litúrgica, ele é “o domingo dos domingos”, na expressão feliz de Santo Atanásio.
5 - No evangelho da missa do dia (Jo 20,1-9), são interessantes alguns detalhes: Pedro e João, diante do relato das mulheres, correm ao sepulcro, mas João chega primeiro. Seria aqui o amor do “discípulo amado” a mostrar-se mais forte e dinâmico, por isso correu mais? Diz o evangelho que João, porém, não entrou no sepulcro. Seria esperar e respeitar a primazia do Príncipe dos Apóstolos? Pedro então chega, como diz o evangelho, vê os detalhes do sepulcro vazio e nele entra. Em seguida, entra também João, que “vê” e “crê”. A revelação de que “João vê e crê” seria uma virtude do “discípulo amado”? Como os dois discípulos de Emaús, Pedro e João não tinham também, ainda, compreendido as Escrituras.
Uma nota para o que aqui se expõe: Na redação destes episódios, segui o entendimento tradicional de que o “discípulo amado” era João, sem preocupar-me com entendimentos contrários de biblistas e exegetas.
6 - Vejamos então no Domingo da Páscoa um convite sereno para vivermos a ressurreição, desde já, na dinâmica do amor e da fraternidade. E Cristo, o Ungido de Deus, vai exigir de nossa vida que ela seja límpida, transparente, espelho do bem e sinal também de salvação, numa profunda sensibilidade para o amor fraterno, na prática da justiça, enfim como vida plenamente missionária.
7 - Finalmente, a partir deste domingo, até Pentecostes, começa a antífona mariana “Regina coeli” (“Rainha do céu, alegrai-vos...”), na oração noturna, chamada “Completas”, da Liturgia das Horas. Com o Domingo da Páscoa começa também o Tempo Pascal, que se encerrará em Pentecostes. Para os Santos Padres, o Tempo Pascal é como "um grande Domingo", com duração de cinquenta dias.
Leituras bíblicas do Domingo da Páscoa - 'Não procureis entre os mortos, Ele está vivo':
1ª leitura: At 10,34a.37-43
Salmo 118(117),1-2.16ab-17.22-23
2ª leitura: Cl 3,1-4 (ou 1Cor 5,6b-8)
Evangelho: Jo 20,1-9 - (ou o Evangelho da Vigília) – À tarde pode ser: Lc 24,13-35
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