Escrever é verbo transitivo. Escreve-se para alguém. O alguém é o leitor. Não o perca de vista. Contemporâneo, ele vive no século 21. Tem à mão livros, jornais, revistas e o universo sem fim da internet. Cada época tem seu jeitão de falar e dizer. Um texto do padre Antônio Vieira (1608-1697) não se confunde com o de Marcelo Rossi. Ambos são pregadores e falam de religião. Mas guardam marcas do tempo. O estilo moderno — influenciado pelas novas tecnologias — obedece a três regras de ouro:
1. Menor é melhor 2. Menos é mais 3. Variar para agradar
O texto é rua de mão dupla. Numa pista está a escrita. Na outra, a leitura. Quem escreve precisa manter os olhos abertos e os ouvidos atentos ao que vem de lá. A tarefa é árdua. Exige, como de todo bom motorista, atenção, sensibilidade e técnica. Convenhamos: um ou outro condutor podem ter uma ou outra habilidade inatas. Mas precisam desenvolver outras. É possível? É. Existem autoescolas e instrutores capazes de iluminar o caminho das pedras. Eles não chutam. Guiam-se pelas regras do código de trânsito.
Redatores profissionais conhecem as normas da escrita. São muitas. As gramaticais estão no papo. Concordâncias, regências, pontuações & cia. são café pequeno. Estudadas desde os primeiros anos, oferecem-se sem resistência. O desafio reside na legibilidade. É preciso ser entendido. Pra chegar lá, três regras merecem atenção especial. Uma: menor é melhor. Outra: menos é mais. A lanterninha, mas não menos importante: os primeiros serão os primeiros. Menor é melhor
Entre duas palavras, fique com a mais curta. Entre duas curtas, a mais simples. Entre duas simples, a mais expressiva. Fuja das literárias e científicas. Elas afugentam o leitor. Deixe para quem adora empolação. Só ou somente? Só. Colocar ou pôr? Pôr. Chuva ou precipitação pluviométrica? Chuva. Contabilizar ou somar? Somar. Equalizar ou igualar? Igualar. Fidelizar ou conquistar? Conquistar. Priorizar ou dar prioridade? Dar prioridade. Concurso ou certame? Concurso. Contracheque ou holerite? Contracheque.
Não só vocábulos contam. Frases também entram na jogada. A frase curta — com mais ou menos 150 toques — tem duas vantagens. Uma: diminui o número de erros. A gente tropeça menos nas conjunções, nas vírgulas, na concordância, na correlação verbal. A outra: torna o texto mais claro — a maior qualidade do estilo. Como chegar lá? Use pontos. Compare:
Na Câmara e no Senado, parlamentares transformaram a eleição para a presidência em balcão de negócios, discutindo privilégios em público, sem cerimônia ou senso de oportunidade, buscando garantir cargos, vantagens, gabinetes, funcionários, gratificações.
Na Câmara e no Senado, parlamentares transformaram a eleição para a presidência em balcão de negócios. Discutem vantagens em público sem cerimônia ou senso de oportunidade. Entre as barganhas, figuram cargos, gabinetes, funcionários, gratificações. Menos é mais
“Escrever é economizar palavras”, ensina Drummond. “Escrever é cortar. Ou trocar”, confirma Marques Rebelo. “Seja conciso”, aconselha o professor. Os três dão o mesmo recado — respeite a paciência do leitor. Quanto menos palavras você gastar pra transmitir uma ideia, melhor. Muito melhor.
Como ser conciso sem prejudicar a mensagem? Existem atalhos. Um deles: eliminar palavras ou expressões desnecessárias. Artigos indefinidos, pronomes possessivos, adjetivos, advérbios são candidatos à tesoura. Menos palavras é mais clareza, mais objetividade, mais rapidez. Compare:
Neste momento, depois de tanto ler, nós acreditamos que, sempre que necessário e aprovado pelo bom senso, o redator deve tentar escrever seus textos com substantivos e verbos, eliminando todas as demais classes gramaticais.
Cruz credo! A ideia central está escondida na selva de palavras. Fiquemos com o essencial:
O redator escreve textos com substantivos e verbos. Os primeiros serão os primeiros
A psicologia prova. A pessoa só consegue dominar certo número de palavras antes que os olhos peçam pausa. Testes sobre a legibilidade e a memória demonstram dois fatos. Um: se o período tem a média de 200 toques, o leitor retém a segunda metade pior que a primeira. Dois: se 250 ou mais, grande parte do enunciado se perde. Daí a importância da frase curta e da ordem direta — sujeito, verbo, objeto direto e indireto, adjunto adverbial.
Michel Temer (suj.) disputa (verbo) a presidência da Câmara (obj.) na segunda-feira. (adj. adv.)
Fugiu dessa carreirinha? Entrou na ordem inversa:
Na segunda-feira, Michel Temer disputa a presidência da Câmara. A presidência da Câmara Michel Temer disputa na segunda-feira. Michel Temer, na segunda-feira, disputa a presidência da Câmara. A primeira estrofe do Hino Nacional abusa da ordem inversa. Com ela, dá passagem à dificuldade:
Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heroico o brado retumbante.
Na ordem direta, a clareza põe a cabeça de fora:
As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heroico.
Moral da história: ao contrário do apregoado pelo dito popular, os últimos não serão os primeiros. Serão os últimos mesmo.
Como chegar lá?
Desvendar os mistérios de cada regra constitui trabalho de decomposição. São técnicas que estão ao alcance de quem quer algo mais do que escrever. Quer escrever melhor. Em bom português: quer dar recados claros, simples, concisos e prazerosos. Texto difícil não tem vez. E não é de hoje. Montaigne, no século 16, disse: “Ao encontrar um trecho difícil, deixo o texto de lado.” Por quê? A leitura é forma de felicidade”, respondeu ele. “Se lemos algo com dificuldade, o autor fracassou”, completou Jorge Luis Borges quatro séculos depois.
A observação não se restringe a livros. Engloba jornais, revistas, blogues, sites, cartas comerciais, redações escolares, receitas de comida gostosa. Sem fisgar o leitor, adeus, emprego! Adeus, sobremesa dos deuses! Por isso, roguemos a Deus. Que Ele ilumine mentes, penas e teclados. E cada um faça a sua parte. A coluna dará as dicas — o passo a passo que diz com todas as letras: escrever bem não é dom divino. É técnica. Aprendê-la e aplicá-la implica 99% de transpiração. A inspiração fica com 1%. Vamos lá?
A redação trabalha com palavras. Palavras compõem períodos. Períodos formam parágrafos. Parágrafos constroem textos. As regras de ouro se referem a esse quarteto. Igual ao Jack, vamos por partes. Comecemos pelo primeiro membro.
1. Palavras curtas. Entre dois vocábulos, fique com o mais simples, entre dois simples, o mais curto, entre dois curtos, o mais expressivo. Fuja dos literários e científicos:
Somente ou só? Só. Colocar ou pôr? Pôr. Chuva ou precipitação pluviométrica? Chuva. Lombada ou obstáculo transversal? Lombada. Presidente ou chefe do Executivo? Presidente. Somar ou contabilizar? Somar. Morrer ou falecer? Morrer. Equalizar ou igualar? Igualar. Agilizar ou apressar? Apressar. Modificar ou flexibilizar? Modificar. Ratificar ou confirmar? Confirmar. Geralmente ou em geral? Em geral. Comercializar ou vender? Vender. Votar ou sufragar? Votar. Tribunal ou corte? Tribunal. Eleição ou pleito? Eleição. Supremo Tribunal Federal ou pretório excelso? Supremo Tribunal Federal ou simplesmente STF. Réu ou demandante? Réu. Recurso ou inconformação? Recurso. Resposta ou contestação? Resposta. Juiz ou julgador? Juiz. Pretender ou objetivar? Pretender. Voltar ou retornar? Voltar. Entrar ou ingressar? Entrar.
Olho vivo
Reparou? Os curtinhos são mais simples. Vocábulos pomposos e pretensiosos funcionam como cortina de fumaça. Dificultam a leitura. Não raro obrigam o leitor a voltar atrás ou consultar o dicionário ou a internet. No percurso, há um risco. Ele deixa o texto pra lá e passar pra outro. Oferta é que não falta. Por isso, entre causídico e advogado, tenha uma certeza. Advogado segura o leitor. Causídico? Deixe para quem adora ser erudito.
Quem quer? Todos querem emprego público. A concorrência cresce dia a dia. Muitos viraram profissionais de disputas. São os concurseiros. Eles sabem que não basta estudar o conteúdo de ponta a ponta. Boa parte dos candidatos o faz. Impõe-se sobressair. É aí que entra a redação. O texto tem a palavra final: diz quem entra e quem fica de fora.
O blogue dá uma ajudinha à turma pra lá de esforçada. Oferece dicas que tornam o estilo claro, ágil e prazeroso. Três regras de ouro sintetizam o caminho a ser percorrido pra concretizar o sonho. Uma: menor é melhor. Outra: menos é mais. A última, tão importante quanto: variar pra agradar. Em posts anteriores, começamos a desvendar os mistérios da primeira norma. Continuemos.
Menor é melhor
Palavras curtas são preferíveis às longas. Palavras simples, às pomposas. Essa foi a primeira dica. Períodos também entram na jogada. A frase curta tem duas vantagens. De um lado, contribui pra reduzir o número de erros. (Vírgulas, conjunções, correlações verbais oferecem menos desafios.) De outro, torna o texto mais claro. Clareza, vale lembrar, é a maior qualidade do estilo.
Não queira falar como deputado.
Frase curta
Como fugir das frases que se perdem no caminho? Vinicius de Moraes deu a receita. “Uma frase longa”, escreveu ele, “não é nada mais que duas curtas.” Eureca! Desmembre as compridonas.
1. Casse o gerúndio
Alunos recém-aprovados no vestibular entrarão na universidade no próximo semestre podendo, se forem estudiosos, acabar o curso em quatro anos, fazendo, em seguida, um curso de pós-graduação.
Com um chega pra lá no gerúndio, o período fica assim:
Alunos recém-aprovados no vestibular entrarão na universidade no próximo semestre. Se forem estudiosos, poderão acabar o curso em quatro anos e fazer, em seguida, uma pós-graduação.
Frase curta (2)
Vírgula? Ponto e vírgula? Na dúvida, use ponto
Os dois times prometiam partida emocionante na decisão de um dos campeonatos mais disputados dos últimos anos, mas o tumulto das arquibancadas pôs fim à expectativa dos torcedores de assistir a belo espetáculo.
Vamos separar as orações coordenadas? Com o ponto, dá pra respirar fundo:
Os dois times prometiam partida emocionante na decisão de um dos campeonato mais disputados dos últimos anos. Mas o tumulto das arquibancadas pôs fim à expectativa dos torcedores de assistir a belo espetáculo.
***
Cheguei atrasada à reunião porque, com a chuva, os semáforos se apagaram e o trânsito ficou pra lá de congestionado.
Que tal expulsar a conjunção? Sem ela, podemos tornar o período mais animado. Quer ver?
Cheguei atrasada à reunião. Com a chuva, os semáforos se apagaram e o trânsito ficou pra lá de congestionado.
Cheguei atrasada à reunião. Sabe por quê? Com a chuva, os semáforos se apagaram e o trânsito ficou pra lá de congestionado.
Por que cheguei atrasada à reunião? Com a chuva, os semáforos se apagaram e o trânsito ficou pra lá de congestionado.
Menor é melhor. Menos é mais. Variar pra agradar. As três regras de ouro do estilo estão ao alcance da mão. Quem escreve tem os requisitos básicos pra redigir um texto. Domina número suficiente de vocábulos, as manhas da grafia, as normas da construção de frase e da organização de parágrafos.
Mas, pra sobressair, precisa ir além. Entra aí a série de dicas do blogue. Com elas, subimos dois degraus na requintada escada da expressão. Um: escrevemos mensagens fáceis, claras, concisas e sedutoras. A outra: conquistamos o leitor. Não é pouco.
Menos é mais (1)
O que é concisão? Faça a sua aposta. Respondeu “escrever pouco”? Errou. Conciso não é lacônico. É denso. Opõe-se a vago, impreciso, verborrágico. No estilo denso, cada palavra, cada frase, cada parágrafo deve estar impregnado de sentido. A regra: cortar sem prejuízo da completa e eficaz expressão do pensamento. Como chegar lá? Conjuge dois verbos — Um: cortar. O outro: trocar. Vamos lá?
Vem, tesoura
1. Corte, nas datas, os substantivos dia, mês e ano: em vez de no mês de janeiro, janeiro; no mês de novembro, novembro; no ano de 2013, 2013.
2. Livre-se de artigos indefinidos. Em 99% das frases, a criatura sobra: No fim de semana, houve (um) entra e sai na Papuda como jamais se viu. Os presidenciáveis prometem traçar (um) plano de redução dos gastos públicos. O deputado pediu (um) adiamento da votação do projeto. O um é bem-vindo quando não é artigo indefinido, mas numeral.
3. Casse possessivos. O pronomes seu e sua são uma das piores pragas do texto. Além de sobrecarregar a frase, tornam-na ambígua. Xô! Assim: Levantou a (sua) mão pra dizer que estava presente. Com ar divertido, mexeu os (seus) ombros. Balançou a (sua) cabeça com graça. Calçou os (seus) sapatos às pressas. A campanha foi equilibrada até o (seu) fim. Pra manter o (seu) ritmo de crescimento, o agronegócio precisa de excelentes estradas. O empresário endurece as (suas) críticas ao governo. Omita-o e substitua-o pelo artigo, porque ele já denota posse.
4. Mande os adjetivos-ônibus plantar batata. Termos vazios e inexpressivos, eles se aplicam a qualquer substantivo. É o caso de maravilhoso, formidável, fantástico, lindo, bonito, espetacular, bonito, interessante & cia. ilimitada. Xô! Se usar adjetivo, use aqueles que tornem preciso o sentido do substantivo. O mesmo vale para os advérbios que expressam juízo de valor: certamente, efetivamente, evidentemente, bastante, fielmente, levemente, definitivamente, absolutamente. Não se fazem restrições àqueles que especificam o sentido, como os de lugar e tempo.
5. Expulse os adjetivos-chavões. Associados a certos substantivos, os mesmeiros formam lugares-comuns pela insistência do uso. Fuja deles. É fácil: ascensão meteórica (em que consiste?), lucros fabulosos (quanto?), inflação galopante (índice?), congestionamento monstruoso (quantos carros?), prejuízos incalculáveis (valor aproximado?), vitória esmagadora (número de votos? Percentagem?).
Há outros exemplos de clichês: a olho nu, a olhos vistos, a cada dia que passa, a sete chaves, a todo vapor, alto e bom som, baixar a guarda, bater em retirada, cair como uma luva, caixinha de surpresas, cantar vitória, chegar a um denominador comum, chover no molhado, como se sabe, com direito a, como já é conhecido, de mão beijada, deixar a desejar, dispensar apresentações, detonar, em pé de igualdade, efeito dominó, em sã consciência, em última análise, extrapolar, faca de dois gumes, fazer das tripas coração, fugir da raia, gerar polêmica, hora da verdade, inserido no contexto, leque de opções, lugar ao sol, luz no fim do túnel, menina dos olhos, na vida real, no fundo do poço, ovelha negra, óbvio ululante, página virada, pomo da discórdia, procurar chifre em cabeça de cavalo, propriamente dito, respirar aliviado, reta final, sentir na pele, separar o joio do trigo, sagrar-se campeão, sorriso amarelo, ter boas razões, tecer comentários, tirar o cavalo da chuva, tiro de misericórdia, trazer à tona, via de regra, voltar à estaca zero
6. Enxote pronomes enxotáveis. É o caso de todos e algum. Como? Basta conhecer as manhas do artigo definido. Ao dizer “os professores entraram em greve”, englobam-se todos os mestres. Se não são todos, o artigo não tem vez: Professores entraram em greve.
Compare:
A presidente convocou todos os ministros. A presidente convocou os ministros. A presidente convocou alguns ministros para a reunião. A presidente convocou ministros para a reunião. Vou à missa todos os domingos. Vou à missa aos domingos. Na sala, há algumas crianças superdotadas. Na sala, há crianças superdotadas.
“Devo começar a redação pensando nas regras de ouro?” A pergunta é de Davi Leite, concurseiro profissional. Ele persegue cargo com salário superior a R$ 15 mil. Pra chegar lá, estuda, estuda muito. Insiste na redação pra se sair melhor que os outros. Respira fundo, faz o plano e escreve o texto inteiro. Depois, passa-o a limpo.
Eis o xis da questão. Passar a limpo não significa copiar o original. Significa melhorá-lo. Reescrevê-lo. Aí, sim, entram as regras de ouro. Vamos combinar? Não é tarefa fácil. Mas, à medida que exercitamos, o sacrifício vira prazer. Duvida? Banque o São Tomé. Teste.
Menos é mais (2)
Dois verbos entram em cartaz — cortar e trocar. Cabe ao autor lipoaspirar os excessos — artigos, substantivos, pronomes, adjetivos, locuções que engordam a frase. A língua, como as pessoas, adora a elegância. Pra atingir a forma nota 10, submete-se a dietas e bisturis gramaticais. Melhor: com alegria, sem gemer ou reclamar. O blogue exercitou as tesouradas nas gorduras. É a vez, agora, do troca-troca. Vamos lá?
Seis por meia dúzia
1. Troque locuções. Que bicho é esse? Não tem nada a ver com locutor de rádio e televisão. São duplinhas ou trios que fazem as vezes de substantivo, adjetivo, pronome, verbo, advérbio, preposição, conjunção, interjeição e palavra denotativa: locuções substantivas, adjetivas, pronominais, verbais, adverbiais, prepositivas, conjuntivas, interjetivas e denotativas. Quer ver?
1.1. Locuções prepositivas: A carta está embaixo do travesseiro. (A carta está sob o travesseiro.). Pôs os pratos em cima da mesa. (Pôs os pratos sobre a mesa.) Falou a respeito do patrimônio público. (Falou sobre o patrimônio público.) Em face do exposto, teria condições de tomar a decisão. (Ante o exposto, teria condições de tomar a decisão.)
1.2. Locuções conjuntivas: Trabalha muito, de maneira que recebe bom salário. (Trabalha muito, logo recebe bom salário.)
1.3. Locuções verbais: Pôr ordem nos livros espalhados pela casa. (Ordenar os livros espalhados pela casa.) Fazer uma viagem (viajar). Ver a beleza do quadro (admirar o quadro). Pôr moeda em circulação (emitir moeda).
1.4. Locuções adjetivas: material de guerra (material bélico), criança com educação (criança educada), água própria para beber (água potável).
Seis por meia dúzia (2)
2. Troque orações adjetivas por adjetivos: O banco financia agricultores que plantam café. (O banco financia cafeicultores.) Roupas com as cores que estão na moda vendem bem. (Roupas com cores modernas vendem bem.) Os alunos que estudam tiram boas notas. (Os alunos estudiosos tiram boas notas.)
3. Troque perguntas indiretas por perguntas diretas: Gostaria de saber se você vai viajar. (Você vai viajar?) Não tenho certeza se ele vai participar da reunião. (Será que ele vai participar da reunião?) Quero que me informe quando chegará a encomenda. (Quando chegará a encomenda?)
4. Troque oração substantiva por substantivo: Exigimos que o servidor seja punido. (Exigimos a punição do servidor.) O aluno pede que o professor o desculpe. (O aluno pede desculpas ao professor.) O deputado pediu que o filho fosse admitido. (O deputado pediu a admissão do filho.)
5. Troque pronomes compridões por curtinhos: Aquele que fala muito dá bom-dia a cavalo. (Quem fala muito dá bom-dia a cavalo.) Aquilo que é escrito sem esforço é lido sem prazer. (O que é lido sem esforço é lido sem prazer.) Sigam-me aqueles que forem brasileiros. (Sigam-me os que forem brasileiros. Siga-me quem for brasileiro.)
6. Troque o futuro pelo presente: Vai viajar no fim do ano. (Viaja no fim do ano). Escreverei o texto até o fim da semana. (Escrevo o texto até o fim da semana.) Vamos sair logo, logo. (Saímos logo, logo.).
O que é mesmeiro? Imagine uma pessoa sempre igual. Dia após dia, ano após ano, usa a mesma roupa. Corta o cabelo do mesmo jeitinho. Come a mesma comida no mesmo lugar na mesma hora. Acorda e dorme no mesmo horário. Vê o mesmo filme. Lê o mesmo livro. Conta a mesma piada. Fala as mesmas coisas. Valha-nos, Deus! Nem o Senhor aguenta. Xô!
Vem, diversidade. É legal ser diferente. Surpresa chama a atenção e desperta a curiosidade. É o gosto pelo inusitado. O chavão serve de exemplo. Palavra ou expressão, tantas vezes repetida, perde o viço. Pontapé inicial, abrir com chave de ouro, cair como uma bomba & cia. tiveram frescor algum dia. Hoje soam coisa velha. Transmitem a impressão de profissional preguiçoso, desatento ou malformado. Em suma: incapaz de surpreender.
Variar pra agradar (1)
Entra, aí, a terceira regra de ouro do estilo. Ela recebe a diversiidade com banda de música e tapete vermelho. Por quê? As repetições — de sons, palavras ou estruturas — são sinal de inexperiência, descuido e pobreza vocabular. Há jeitos de evitá-las. Vamos lá?
1. Elimine os ecos. A rima é qualidade da poesia. Mas defeito na prosa. Pra descobrir os sons mesmeiros, leia o texto em voz alta. Eles incomodam o ouvido. Veja exemplos:
Mau: Há anos em que a reunião no pavilhão da Bienal é mensal.
Melhor: Há anos em que ocorrem reuniões mensais no pavilhão da Bienal.
***
Mau: O crescimento sem desenvolvimento implica incremento do subdesenvolvimento.
Melhor: Crescer sem preocupação com o desenvolvimento implica mais atraso.
Variar pra agradar (2)
2. Acabe com as fileirinhas de dês. Termos ligados por um trenzinho de dês contituem armadilha no caminho do leitor. De um lado, pecam pela abstração. De outro, pela dificuldade de serem entendidos. Vale tudo pra fugir da esparrela. A melhor estratégia: transformar substantivos e adjetivos em verbos. Assim:
Mau: O progresso dos estudantes de instituições de ensino do governo é lento.
Melhor: Os estudantes de escolas públicas progridem lentamente.
Variar pra agradar (3)
3. Livre-se de quês. Sem apegos ou compaixão, conjugue os verbos caçar e cassar. Encontre os mesmeiros e passe a tesoura sem pena! Ah, coisa boa!
Mau: O deputado afirmou que Brasília, que é a capital do Brasil, deve servir de exemplo do que o país tem de melhor no que se refere ao serviço público.
Melhor: O deputado afirmou que Brasília, a capital do Brasil, deve ser exemplo da excelência nacional no tocante ao serviço público.
Também: O governador disse: “Brasília, a capital do Brasil, deve ser exemplo de excelência nacional no tocante ao serviço público”.
Idem: Sabe o que disse o governador? “Brasília, a capital do Brasil, deve ser exemplo de excelência nacional no tocante ao serviço público”.
Variar pra agradar (4)
4. Fuja da repetição de palavras. Não dê atestado de descuido ou pobreza vocabular. Persiga as mesmeiras sem piedade. Use as armas que a língua lhe oferece. São três. Uma: suprimir o vocábulo. Outra: substituí-lo por sinônimo. Mais uma: dar outro torneio da frase.
Espero terminar o curso de direito em quatro anos. Não vou perder tempo. Em seguida, vou partir para um curso de pós-graduação.
Vamos combinar? O leitor não merece a dose dupla do substantivo curso. Xô, monotonia! Vem, tesoura: Espero terminar o curso de direito em quatro anos. Não quero perder tempo. Em seguida, vou partir para a pós-graduação. *** Trabalho porque pago minhas contas com o fruto do meu trabalho.
Melhor: Trabalho porque pago minhas contas com o suor do meu rosto.
Também: Trabalho porque preciso pagar as contas.
Água parada apodrece. Exala mau cheiro que espanta os próximos e deixa os distantes de sobreaviso. Só o movimento a mantém viva. O mesmo ocorre com a língua. Frases mornas e tediosas afugentam o leitor e o ouvinte. Ele larga o livro, a revista ou o jornal. Desliga a tevê ou o rádio. Corre da internet. Em suma: é a receita do cruz-credo.
A saída? Mexa-se. Seja dinâmico. Vá logo ao ponto. Abuse de verbos e substantivos. Prefira a voz ativa à passiva. Fuja de adjetivos, advérbios, pronomes, conjunções, aumentativos, diminutivos e superlativos. Evite palavras longas e pomposas. Opine. Não ache. Achismo não é opinião. Em bom português: recorra às regras de ouro do estilo: menor é melhor, menos é mais, variar pra agradar. Posts anteriores deram dicas pra chegar lá. Continuemos. Variar pra agradar (5)
“Repetir palavras rouba pontos”, ensinam os professores. A moçada não está nem aí. Insiste na esparrela. A alternativa dos mestres é uma só. Impossibilitados de avançar, permanecem nos passos iniciais da variedade do estilo. Resultado: os mesmeiros deitam e rolam. Espertos, fazem de conta que não entram no time das repetições. Mas entram. São frases e parágrafos que se iniciam com estruturas iguais. Que sono. Veja:
A avaliação constitui passo importante no processo da aprendizagem. Os testes permitem considerar acertos e erros na caminhada de crianças e jovens em direção à liberdade, além de oferecer base para a correção de rumos. O Brasil descobriu tardiamente as vantagens do julgamento objetivo de resultados. O MEC, só na década de 90, tomou medidas concretas aptas a orientar políticas na área da educação.
Viu? O parágrafo tem quatro períodos. Todos começam do mesmo jeitinho — substantivo acompanhado de artigo. A repetição o torna monótono. Sonolento, o pobre leitor boceja. Esforça-se pra se manter acordado. Sem sucesso, opta por uma destas saídas: cai nos braços de Morfeu ou parte pra outra. Vamos segurá-lo?
A avaliação constitui passo importante no processo da aprendizagem. De um lado, permite considerar acertos e erros na caminhada de crianças e jovens em direção à liberdade. De outro, oferece base para a correção de rumos. O Brasil descobriu tardiamente as vantagens do julgamento objetivo de resultados. Só na década de 90 o MEC tomou medidas concretas aptas a orientar políticas na área da educação.
Variar pra agradar (6)
A repetição malandra é atrevida. Vai além dos períodos. Também aparece na passagem de um parágrafo para outro. Veja:
É um susto atrás do outro. Mães e pais se surpreendem com a língua da meninada. No telefone, usam código próprio. É um tal de tô gúdi pra cá, tá numa bad pra lá, nope pracolá. No computador, o sobressalto não é diferente: abreviaturas estranhas, palavras inventadas — tudo aos pedaços, sem começo nem fim, sem pé nem cabeça. Bicho vira bx. Você, vc. Beijo, bj. Aqui, aki. O que fazer? Nada.
Somos poliglotas na nossa língua. “Não falamos português. Falamos línguas em português”, repetia José Saramago. Gíria, internetês, estrangeirismos, norma culta convivem com harmonia. Garotos e garotas são safos. Transitam com desenvoltura em todas. Melhor: dispensam professor pra lhes dizer quando recorrer a esta ou àquela modalidade. Proibi-los de usar uma ou outra? É excluí-los. Deus castiga. Melhor
É um susto atrás do outro. Mães e pais se surpreendem com a língua da meninada. No telefone, usam código próprio. É um tal de tô gudi pra cá, tá numa bad pra lá, nope pracolá. No computador, o sobressalto não é diferente: abreviaturas estranhas, palavras inventadas — tudo aos pedaços, sem começo nem fim, sem pé nem cabeça. Bicho vira bx. Você, vc. Beijo, bj. Aqui, aki.
O que fazer? Nada. Somos poliglotas na nossa língua. “Não falamos português. Falamos línguas em português”, repetia José Saramago. Gíria, internetês, estrangeirismos, norma culta convivem com harmonia. Garotos e garotas são safos. Transitam com desenvoltura em todas. Melhor: dispensam professor pra lhes dizer quando recorrer a esta ou àquela modalidade. Proibi-los de usar uma ou outra? É excluí-los. Deus castiga. Deixe o internetês para as redes sociais, deixe o regionalismo e a gíria para as conversas informais. Evite mesóclises, pontos de exclamação e reticências.
Menor é melhor. Menos é mais. Variar pra agradar. Aplicadas, as três regras fazem milagres. Põem pra correr criaturas que afugentam o leitor. Ao mesmo tempo, pegam-no pelo pé. É o prêmio do esforço de quem acredita que se pode melhorar sempre. A ordem: reescrever, reescrever, reescrever.
Hemingway reescreveu 30 vezes o último capítulo de Adeus às armas até se sentir satisfeito. Marguerite Youcenar precisou de 29 anos para considerar Memórias de Adriano digno do poderoso imperador romano. Valeu. A obra-prima lhe abriu as portas da Academia Francesa de Letras. Foi a primeira mulher a entrar no até então Clube do Bolinha. Seja fácil
A facilidade fisga. Palavras familiares, períodos curtos, jeito natural, toque humano, título convidativo tornam a mensagem amigável. Não se esqueça: o autor se dirige a pessoas de carne e osso.
Você chegou lá? Leia a redação com cuidado. Responda à pergunta: Fui fácil?
a. sim b. não c. mais ou menos Legibilidade do texto
Sabia? A facilidade de leitura preocupa especialistas há mais de 50 anos. Pesquisas pipocaram em universidades americanas de norte a sul do país. Um dos frutos dos estudos é o teste de legibilidade. Alberto Dines, então no Jornal do Brasil, adaptou-o para o português. Eis o passo a passo da fórmula:
1. Conte as palavras do parágrafo. 2. Conte as frases (cada frase termina por ponto). 3. Divida o número de palavras pelo número de frases. Assim, você terá a média da palavra/frase do texto. 4. Some a média da palavra/frase com o número de polissílabos. 5. Multiplique o resultado por 0,4 (média de letras da palavras na frase de língua portuguesa). 6. O produto da multiplicação é o índice de legibilidade. Possíveis resultados:
1 a 7: história em quadrinhos 8 a 10: excepcional 11 a 15: ótimo 16 a 19: pequena dificuldade 20 a 30: muito difícil 31 a 40: linguagem técnica acima de 41: nebulosidade Teste
Embora figure entre as 10 maiores economias do planeta, o Brasil conserva mentalidade subdesenvolvida no trato dos bens culturais. Considera “dinheiro jogado fora” investimento em museus, arquivos, bibliotecas. O Memorial da América Latina é a vítima mais recente. Outras virão. É o preço salgado que o país paga pela miopia do atraso.
Confira:
1. Palavras do parágrafo: 52 2. Número de frases: 5 3. Média da palavra/frase (52 dividido por 5): 10,4 4. 10,4 + 8 (nº de polissílabos): 18,4 5. 18,4 X 0,4 = 7,36 Resultado: legibilidade excepcional Sua vez
Avalie um texto seu. Pode ser carta, e-mail, artigo, redação escolar. O teste tem de ser feito por parágrafos. Se o resultado ficar acima de 15, abra os olhos. Facilite a vida do leitor. Você tem dois caminhos. Um: diminua o tamanho das frases. O outro: mande algumas proparoxítonas pra bem longe. O melhor: recorra aos dois.
Alto, baixo, gordo, magro, grande, pequeno são relativos. Alguém pode ser alto pra uns e baixo pra outros. Diga a altura, o peso, o tamanho: 1,95m, 50kg, 300km.
Negro é raça. Nessa acepção, use-o sem pensar duas vezes. Pelé é negro. Não é escurinho, crioulo, negrinho, moreno, negrão ou de cor.
Evite o adjetivo em expressões de conotação negativa. Em vez de nuvens negras, prefira nuvens pretas ou escuras. Em lugar de lista negra, fique com lista dos maus pagadores.
Apague denegrir (derivado de negro) de seu dicionário. Prefira comprometer. Elimine também judiar, da família de judeu. Substitua-o por maltratar.
Não use crente. Indique a que religião a pessoa pertence.
Diga chinês, coreano, japonês (não: japa, china, amarelo); idoso (não: velho, decrépito, gagá, pé na cova, titio); lésbica (não: sapatão, pé 44); pobre, pessoa de baixa renda (não: pobretão, pé de chinelo, ralé, raia miúda, povão, escória, zé-povinho, povaréu); pessoa com deficiência (não: portador de deficiência, pessoa com necessidades especiais, pessoa especial, retardado); religioso (não: papa-hóstia, igrejeiro, carola, barata de igreja); travesti (não: traveco, boneca, bicha).
Identifique o estado de origem com precisão: maranhense, paraibano, pernambucano, cearense.
Se quiser generalizar, use nordestino, sulista ou nortista.
Não use paraíba nem baiano, exceto se a pessoa nasceu na Bahia.
O radialista Airton Medeiros estava entrevistando ao vivo a presidente de uma associação de cegos em programada da Rádio Nacional. Tratava-a de cega o tempo inteiro até receber um papelzinho com a recomendação de que a tratasse como “deficiente visual”. Antes de obedecer à ordem, perguntou se deveria continuar tratando-a de cega ou de deficiente visual. Ela aproximou as mãos do rosto dele até tocar os óculos. Então afirmou: “Deficiente visual é sua gramática, que está desatualizada. Eu sou cega”.
Cabeleireiro é cabeleireiro, não hair stylist.
Costureira é costureira, não estilista de moda (outra especialidade).
Manicure é manicure, não esteticista de unhas.
Empregada doméstica é empregada doméstica, não faxineira ou diarista (outras especialidades).
Dona de casa é dona de casa, não do lar ou especialista em prendas domésticas.
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