1
Beneficência e beneficente se escrevem assim — sem tirar nem pôr: Fiz o tratamento na Beneficência Portuguesa. A igreja promove campanhas beneficentes. O erro ocorre porque essas palavras são associadas com eficiência, eficiente, deficiência, deficiente, proficiência, proficiente, consciência, consciente, ciência e ciente, mas essas não estão relacionadas. Beneficente vem de beneficência, e o superlativo é beneficentíssimo. Nada a ver com benefício, beneficiar ou beneficiário.
2
Afora tem essa cara — tudo coladinho: casa afora, Brasil afora, mundo afora. A fora só se for em oposição a 'de dentro': Visitou a fábrica de dentro a fora. Se achar estranho, pode ser substituído por 'de dentro para fora'.
3
Sem bobeira, moçada. Extender com x não existe. Só existe estender com s. Logo, a garantia é estendida. Extenso, extensão, extensor e extensivo são com x.
4
Aficionado tem alergia a qualquer dose dupla. O c reina solitário: Sou aficionado por cinema. E você? Aficcionado não existe. A palavra não vem de ficção e sim de ofício, por isso a pessoa aficionada cultiva uma arte como se fosse seu trabalho, sua profissão.
5
A fruta pretinha 100% nacional? É a jabuticaba. Jaboticaba? Valha-nos, Deus! Dá indigestão gramatical.
6
Você joga um baralhinho? A carta pra lá de cobiçada, ou um objeto ou pessoa que desempenha diferentes funções, Bombril e 1001 utilidades, e também o vilão do Batman, se chama curinga. Coringa é outra coisa, vela em formato de triângulo ou quadrado usada em canoas ou barcaças. Rouba a sorte. Xô!
7
O lugar onde se bebem umas e outras? É o boteco, preferência dos mineiros, que adoram resumir e abreviar, de botequim para boteco. (Não vale buteco.)
8
Olho vivo! Cincoenta não existe. A palavra é cinquenta. Talvez por influência de cinco, há quem escreva assim, principalmente em preenchimento de cheques.
9
Protocolar ou protocolizar? Ambas merecem nota 10. Protocolar, claro, seja o verbo (registrar no protocolo) e o adjetivo (oficial, formal, cerimonioso, respeitoso: cumprimento protocolar). Protocolizar joga no time do cruz-credo. Rua!
10
Exceção se escreve assim — com ç. Ela deriva de excetuar: Toda regra tem exceção? Dizem que a exceção confirma a regra. O erro ocorre porque a palavra é confundida com excesso, mas essas não têm nada a ver: exceção é o ato de excluir e excesso, o resultado do ato de exceder.
Exceção é raridade, então escreva com Ç.
Excesso é muito, então escreva com SS.
11
O adjetivo derivado de Acre? É acriano. Assim mesmo — com i.
12
Quem nasce na Argentina é argentino. Quem vem ao mundo em Buenos Aires, portenho. É como paulista e paulistano. Quem nasce no estado de São Paulo é paulista; na capital, paulistano.
13
Peça um prato à la carte. A expressão é francesa. Daí o acento. Engoli-lo? Valha-nos, Deus! O estômago protesta.
14
Alface é nome feminino e não abre: a alface, a alface americana, alface crespa, alface lisa. Trocar o gênero? A folha não desce. Engasga.
15
Ciclo vicioso? Círculo vicioso? Olho vivo. Ciclo tem fim (ciclo do ouro, ciclo da cana). O círculo não. Nota 10 para círculo vicioso e círculo virtuoso.
No Enem, você vai escrever uma dissertação. Para ir direto ao ponto, é bom distinguir os tipos textuais. São três — narração (imaginação), descrição (observação) e dissertação (argumentação, objetividade e razão). Cada um deles tem um verbo e responde a uma pergunta:
Narração
Pergunta: o que houve?
Verbo: contar
Exemplo: narração de Eduardo Galeano
Certa manhã, ganhamos de presente um coelhinho das Índias. Chegou em casa numa gaiola. Ao meio-dia, abri a porta da gaiola. Voltei pra casa ao anoitecer e o encontrei tal qual o havia deixado: gaiola adentro, grudado nas barras, tremendo por causa do susto da liberdade.
O que aconteceu? Galeano conta a história do coelhinho que tinha medo da liberdade.
Usa verbos de ação: ganhar, chegar, abrir, voltar, encontrar, deixar, tremer.
Descrição
Pergunta: Como ele é? Como ela é?
Verbo: mostrar
Exemplo: descrição de Clarice Lispector
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer pessoa devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
Como ela é? Clarice mostra a garota para nós — gorda, baixa, sardenta, peituda. Faz uma fotografia com palavras.
Dissertação
Pergunta: como convencer?
Verbo: provar, demonstrar. Provar o quê? Um ponto de vista.
Exemplo: editorial que apresenta argumentos para provar que temos de acabar com a cultura do desperdício.
Como acabar com a cultura do desperdício? Ela tem de ser desmontada por dentro. É preciso que os brasileiros não joguem fora restos de comida aproveitáveis nem deixem as lâmpadas acesas quando saem de um aposento. É preciso que os livros escolares sejam aproveitados pelos irmãos menores. É preciso não destruir os bens públicos. É preciso, enfim, martelar insistentemente na necessidade de poupar.
Como convencer o leitor da necessidade de acabar com a cultura do desperdício? O autor apresenta argumentos inspirados no dia a dia: restos de comida, lâmpadas acesas, livros escolares, bens públicos, poupança.
No mundo do corre-corre, queremos textos curtos, precisos e prazerosos. Rapidez de leitura fisga. Facilidade também. É impossível gravar fileirinhas de algarismos. Que tal amaciar a vida do leitor? Separe por ponto as classes: 4.316, 1.324.728.
Exceção? Só uma. As datas dispensam o ponto. Xô! Melhor: 1500, 1994, 2005, 2018.
2. Só faça aproximação com números redondos: cerca de 300 pessoas. Se for exato, especifique: 92 pessoas.
3. Na numeração de artigos de leis, decretos, portarias, parágrafos, circulares, avisos, incisos medidas provisórias & gangue, use o ordinal até nove. De 10 em diante, o cardinal: artigo 1º, artigo 9º, artigo 10, artigo 17.
4. O primeiro dia do mês é 1º, não um.
5. Os números romanos oferecem mais dificuldade de leitura que os arábicos. São uma pedra no caminho. Dê-lhes vez só em texto de lei e no nome de papas, reis e nobres: Bento XVI, D. João VI, Dom Pedro II, Parágrafo 1º…V. No mais (nomes de logradouros públicos, fatos históricos, eventos, capítulos e séculos), abra alas para os algarismos arábicos: século 20, capítulo 3º, Anexo 1, 1ª Guerra Mundial, 4º Congresso de Educação a Distância, 3ª República.
Existem erros e erros. Alguns são primários. Estão na cara como batom vermelho ou óculos de grau. Grafar pesquisa com z ou exceção com ss serve de exemplo. Ambos denunciam pouca familiaridade com a língua escrita. Para se safar, conjugue três verbos – ler, ler, ler. E, sempre que a dúvida bater, revide: o empreendimento é consultar o dicionário, a gramática ou a internet. Generoso, ele diz como escrever a palavra.
Outros erros são sofisticados. Exigem algo mais do que uma espiadinha no injustamente chamado pai dos burros. (Ele é pai dos sabidos.) Tropeços em flexões, concordâncias, pontuação, regências, colocação de pronomes, coesão etc. e tal pedem estudo de morfologia, sintaxe e lógica. Se você der nota 10 para a frase “Na rua passava bicicletas”, abra os olhos. O sujeito arma ciladas. Posposto ao verbo, engana bem. Se ele aparecer na frente do verbo, a armadilha fica clara: Na rua, bicicletas passavam.
Um dos critérios na avaliação do candidato a emprego ou vaga na universidade é o domínio da norma culta. O examinador espera ler e ouvir uma língua correta. Correta não significa rebuscada ou exibida. Significa apenas o elementar respeito à gramática. Deslizes na pronúncia, nos plurais, na conjugação verbal não passam despercebidos. Ao contrário. Ecoam. Eis escorregões que você pode evitar:
a nível de – a forma é ao nível de (= à altura de): Recife fica ao nível do mar.
adéquo – adequar só se conjuga nas formas em que a sílaba tônica cai a partir do u: adequamos, adequais, adequei, adequarei. (Na dúvida, substitua-o por adaptar, amoldar, acomodar ou ajustar.)
adivogado – não acrescente sons em fim de sílabas: advogado (não: adivogado), optar (não: opitar), fez (não: feiz), beneficência, beneficente (não: beneficiência, beneficiente), absoluto (não: abisoluto), aficionado (não: aficcionado), prazeroso (não: prazeiroso, porque vem de prazer, e não de prazeir).
aidético, leproso, mongol – são palavras que reforçam preconceitos. Diga portador de HIV, doente de hanseníase ou pessoa com síndrome de Down.
cachórros – nomes com o o fechado no masculino e no feminino mantêm o timbre no plural. É tudo como se tivesse um chapeuzinho: lobo, loba, lobos, lobas; cachorro, cachorra, cachorros, cachorras; raposo, raposa, raposos, raposas; bolso, bolsa, bolsos, bolsas; pombo, pomba, pombos, pombas; tonto, tonta, tontos, tontas; moço, moça, noços, moças.
colocar uma questão – na sua reunião, você expõe, declara ou argumenta. Colocar subentende-se a ideia de lugar, posição ou emprego.
correr atrás do prejuízo – nós corremos atrás do lucro, mas compensamos o prejuízo.
criar novas – só se cria o novo. Basta criar. Se for algo antigo, restaura-se.
de formas que, de maneiras que, de modos que, de sortes que – locuções conjuntivas se usam no singular: de forma que, de maneira que, de modo que, de sorte que
de menor – use menor de idade ou diga a idade: 4 anos, 12 anos,16 anos.
duas milhões de pessoas – milhar, milhão, bilhão e trilhão são masculinos, e não neutros: os milhares / milhões / bilhões / trilhões de crianças, de pessoas, de meninas.
esteje – a forma é esteja.
estrear novo – só se estreia o novo. Basta estrear. Se for algo velho, não há estreia, e sim reprise.
extorquir alguém – extorquir é arrancar alguma coisa de alguém: extorquir dinheiro de alguém, extorquir informações de alguém. Uma pessoa pode ser ameaçada, coagida, constrangida ou forçada.
fazem dois anos – fazer, na contagem de tempo, é invariável. Só se conjuga na 3ª pessoa do singular: faz dois anos, fez cinco meses.
golero – pronuncie bem todas as letras da palavra: os ditongos (goleiro, sanfoneiro, pioneiro, plateia, cabeleireiro), o r e o s final das palavras (varrer, sentir, livros, mesas).
gratuíto – gratuito e intuito se pronunciam como circuito. O ui forma ditongo, sem acento. Não é gratuíto nem intuíto.
há dois anos atrás – baita pleonasmo. Há indica passado. Atrás também. Fique com um ou outro: Há dois anos terminei o curso. Terminei o curso dois anos atrás.
houveram – no sentido de existir ou ocorrer, o verbo é impessoal. Só se conjuga na 3ª pessoa do singular: Houve distúrbios. Houve três acidentes.
intermedia – intermediar se conjuga como odiar: odeio (intermedeio), odeia (intermedeia), odiamos (intermediamos), odeiam (intermedeiam).
interviu – intervir deriva de vir: ele veio, ele interveio.
irá dizer – a indicação do porvir pode ser feita de duas formas. Uma: o futuro simples (dirá). A outra: o futuro composto (vai dizer). Assim — com o verbo ir no presente. Nunca no futuro.
manter o mesmo – manter só pode ser o mesmo. Se é diferente, escolha outro verbo. Que tal trocar? Ou Ou mudar? Ou substituir?
medio – mediar, assim como ansiar, remediar, intermediar e incendiar, se conjuga como odiar: odeio (medeio), odeia (medeia), odiamos (mediamos), odeiam (medeiam).
meio-dia e meio – a concordância nota 10 é meio-dia e meia (hora).
Nóbel – Nobel é oxítona como Mabel, papel, cruel. Lembre-se do cientista que criou o prêmio: Alfred Nobel.
obrigado – ele diz obrigado; ela, obrigada; eles, obrigados; elas, obrigadas. Todos respondem por nada.
o óculos – óculos, como férias e pêsames, é substantivo plural: os óculos, óculos escuros, meus óculos.
panorama geral – todo panorama é geral. Basta panorama. Se for específica, diga visão.
passeiamos – não presenteie formas dos verbos terminados em -ear com o i: passear, frear, cear & cia. têm um capricho. O nós e o vós dos presentes do indicativo e subjuntivo dispensam o izinho que aparece nas demais pessoas. Dê-lhes crédito: eu passeio, (freio, ceio) ele passeia (freia, ceia), nós passeamos (freamos,ceamos), vós passeais (freais, ceais) eles passeiam (freiam, ceiam).
pequeno detalhe – todo detalhe é pequeno. Basta detalhe. Grande detalhe não existe. Se for grande, diga informação.
plano para o futuro – todo plano é para o futuro. Basta plano. Planos para o passado só se for com o Michael Fox do filme De Volta Para o Futuro.
pôrcos – nomes em que o o soa fechado no masculino e aberto no feminino o plural opta pelo salto alto e batom. Segue o feminino: porco, porca, porcos, porcas; porto, porta, portos, portas, torto, torta, tortos, tortas. Exceções? Elas confirmam a regra. É o caso de canhoto e canhota. No masculino, o som é fechado. No feminino, aberto. O masculino plural não segue o feminino. É canhotos, com o o fechado.
possue – não confunda a terminação dos verbos terminados em -uir: a 3ª pessoa do singular do presente do indicativo termina com i — ele possui, ele contribui, ele retribui, ele diminui, ele atribui, ele constitui, ele inclui, ele substitui, ele instrui, ele evolui (não: possue, contribue & cia. indesejada). Só há três exceções: ele constrói, ele destrói e ele reconstrói
probrema – não troque sons: problema (não: probrema, poblema, probrema ou plobrema), estupro (não: estrupo), mendigo (não: mendingo), encapuzado (não: encapuçado, nada tem a ver com encarapuçado).
Estrupo existe, mas não tem a ver com estupro. Deixe ploblema para o Cebolinha.
récorde – recorde se pronuncia como concorde. A sílaba tônica é cor. Record só se for a emissora.
rúbrica – rubrica é paroxítona como fabrica. A sílaba fortona: bri.
rúim – a palavra não é monossílaba, mas dissílaba – ru-im. A sílaba tônica: im.
se eu caber, se eu deter, se eu pôr, se eu trazer, se eu ver – olho no futuro do subjuntivo: se eu couber, detiver, puser, trouxer, vir.
seje – a forma é seja.
subzídio – pronuncie o s como em subsolo, subsecretário, subsíndico, subsequente e subsônico, e não como em subsistir e subsistência.
vítima fatal – fatal significa que mata. O acidente mata. É fatal. A queda mata. É fatal. O disparo mata. É fatal. O veneno mata. É fatal. O coronavírus mata. É fatal. A vítima não mata. Morre. Diga morto.
vou estar mandando & similares – vou mandar.
Ufa!
Tampouco / tão pouco
Tampouco = nem: Maria não fez a prova e tampouco deu explicações. Parece com Tampico, mas só se for amostra grátis do concorrente.
Tão pouco = muito pouco: O deputado falou tão pouco que surpreendeu. Comeu tão pouco que deixou a mãe preocupada. Peço tão pouco!
Onde / em que
Onde indica lugar físico: A cidade onde nasci tem 2 milhões de habitantes. A gaveta onde guardou os documentos está trancada. Minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá.
Em que indica situação: Na palestra em que falou sobre a pandemia, o ministro foi muito questionado. No debate em que o deputado sobressaiu, havia muitos eleitores da oposição. Lembrou-se do encontro em que se viram pela primeira vez.
Aonde
Só se usa com verbo de movimento que exige a preposição a: Aonde ele foi? Não sei aonde ele foi. Talvez ele saiba aonde ela foi.
Superdica
Pintou a dúvida? Parta pro troca-troca. Substitua a por para. Se couber, vá em frente. Dê a vez ao aonde: Aonde ele foi? Para onde ele foi? Não sei aonde ela foi. Não sei para onde ele foi. Talvez ele saiba aonde ela foi. Talvez ele saiba para onde ela foi.
O qual / que
O qual tem vez se o pronome for antecedido de preposição com duas sílabas ou mais, sem ou sob ou de todas as locuções prepositivas. Se não, prefira que: O senador a que se referiu é líder do partido. O livro de que lhe falei está esgotado. A casa sobre a qual lhe falei está à venda. O público perante o qual se manifestou se manteve indiferente. Também use o qual antes de pronomes indefinidos, numerais e expressões superlativas.
“Interviu”
Intervir é filhote de vir. Os dois se conjugam do mesmo jeito: eu venho (intervenho), ele vem (intervém), nós vimos (intervimos), eles vêm (intervêm); eu vim (intervim), ele veio (interveio), nós viemos (interviemos), eles vieram (intervieram); se eu vier (intervier), se ele vier (intervier), se nós viermos (interviermos), se eles vierem (intervierem). Etc. e tal.
“Se ele obter”
O futuro do subjuntivo tem pai e mãe. É o pretérito perfeito do indicativo. Ele nasce da 3ª pessoa do plural menos o -am final. Assim:
Pretérito perfeito: obtive, obteve, obtivemos, obtiver(am)
Futuro do subjuntivo: se eu obtiver, ele obtiver, nós obtivermos, eles obtiverem
“Se eu ver Maria”
Trata-se do futuro do subjuntivo. Vale a regra 6:
Pretérito perfeito: eu vi, ele viu, nós vimos, eles vir(am)
Futuro do subjuntivo: se eu vir, se ele vir, se nós virmos, se eles virem
“Se ele fazer”
Trata-se do futuro do subjuntivo. Vale a regra 6:
Pretérito perfeito: eu fiz, ele fez, nós fizemos, eles fizer(am)
Futuro do subjuntivo: se eu fizer, ele fizer, nós fizermos, eles fizerem
“Se eu pôr”
Trata-se do futuro do subjuntivo. Vale a regra 6:
Pretérito perfeito: pus, pôs, pusemos, puser(am)
Futuro do subjuntivo: se eu puser, ele puser, nós pusermos, eles puserem
“Houveram manifestações”
O verbo haver, no sentido de ocorrer e existir, é impessoal. Só se conjuga na 3ª pessoa do singular, mesmo com o objeto no plural: Houve manifestações em frente ao STF. Havia recursos a analisar. Há 10 pessoas na sala.
“Cite um erro de português que mais incomoda você.” Seguidores responderam com contribuições variadas. A enquete ficou pra lá de rica. Eis a terceira relação.
“Vítima fatal”
Fatal significa “que mata”. O acidente mata. É fatal. A queda mata. É fatal. O disparo mata. É fatal. O veneno mata. É fatal. O coronavírus mata. É fatal.
A pessoa não mata, morre. É vítima, ou morto: O acidente fez duas vítimas. No acidente, morreram duas pessoas. Saldo do acidente: dois mortos.
“Outra alternativa, única alternativa”
Alternativa é sempre outra. Como só há uma, é sempre única: Com a propagação do coronavírus, a alternativa é o isolamento social. Pra perder peso, a alternativa é fechar a boca. Pra escrever melhor, a alternativa é escrever mais. Se for mais de uma, dê a vez para saída, opção, possibilidade ou recurso.
“A muito tempo”
Na indicação de tempo, olho no tempo:
o passado pede o verbo haver: Cheguei há pouco. Ele morou em Brasília há cinco anos. Trabalhamos aqui há 10 meses.
o futuro dá a vez à preposição a: Viajo daqui a pouco. A quatro meses das eleições, não há definição sobre possível adiamento. Mesma regra para distâncias.
“Há dois anos atrás”
Há indica tempo passado. Atrás também. Os dois juntos formam baita pleonasmo. Fiquemos com um ou outro: Há dois anos fui aos Estados Unidos. Dois anos atrás fui aos Estados Unidos.
“Qüestão”
Questão joga no time de quente, química, guerra e guitarra. O u é mudo. Não se pronuncia. O mesmo ocorre com os derivados: questionar, questionário, questionamento, questionável, questiúncula e questor.
“Melhor preparado”
O particípio sofre de alergia. Quando melhor se aproxima dele, espirros se sucedem. Que tal evitar contratempos? O mais bem pede passagem: Paulo está mais bem preparado que Maria. Vou selecionar o texto mais bem escrito. Dizem que as francesas são as mulheres mais bem vestidas da Europa.
De encontro x ao encontro
Parecem na forma, mas são diferentes no sentido. Não se deve usar um pelo outro.
De encontro a = contra, em sentido contrário, em oposição: O carro foi de encontro à árvore. O projeto vai de encontro aos desejos do governador.
Ao encontro de = em favor de, na direção de: O projeto veio ao encontro dos interesses de estudantes. O filho correu ao encontro do pai.
Ao contrário / diferentemente
Ao contrário = o contrário, o oposto (sair x entrar, morrer x sobreviver, ficar em casa x ir pra rua): Ao contrário do prometido (ficar em casa), saiu tão logo o telefone tocou.
Diferentemente = de forma diferente: Diferentemente do publicado na edição de ontem, o brinquedo custa R$ 50, não R$ 500.
Independente / independentemente
Independente = livre: O Brasil ficou independente em 1822.
Independentemente = sem levar em conta: Ganha o mesmo salário independentemente do número de horas trabalhadas.
Embaixo, em cima
Embaixo se escreve junto. Em cima, separado: O sapato está embaixo da cama; o livro, em cima da mesa.
Entrei na onda da enquete que circula na internet: “Cite um erro de português que o incomoda profundamente”. Postei no Instagram. Eis respostas:
“Menas”: Esse feminino não existe, a não ser em comédias e na fala dos deputados. É igual a Papai Noel. A forma é sempre menos: menos brincadeira, menos brincadeiras, menos bonito, menos bonitos.
“Pra mim fazer”: Mim não faz nem escreve, anota, compra, resolve ou estuda. Só na língua dos índios: mim trabalha, mim caça, mim pesca. O sujeito é sempre eu: pra eu fazer, pra eu estudar, pra eu ler, pra eu me manifestar.
“Haverão protestos”: No sentido de existir ou ocorrer, o verbo haver só se flexiona na 3ª pessoa do singular: Há três pessoas na sala. Haverá protestos contra o racismo. Houve distúrbios nas manifestações.
“Meia louca”: No sentido de “mais ou menos”, é a vez de meio. Invariável — sem feminino, masculino, singular ou plural: Ela é meio louca. Estou meio estressada. Ficamos meio cansados com a quarentena. O noticiário está meio repetitivo. Na dúvida, troque por muito.
“Soa” em vez de “sua”: Soa é forma do verbo soar. Sua, do verbo suar: A campainha soa. Você sua (transpira).
“Graças à Deus”: Deus é nome masculino. Se não der ideia de à moda de ou ao estilo de (como 'redação à Graciliano Ramos'), não aceita crase como barco a vapor, bebê a bordo.
“Vou com tu”: O pronome se junta à preposição: Vou contigo.
“Mal humor, mau humorado”: Mau é o contrário de bom. Mal, o oposto de bem. Na dúvida, basta apelar para o troca-troca: mau humor (bom humor), mal-humorado (bem-humorado“.
“Fazem 10 anos”: Na contagem de tempo, o verbo fazer é invariável. Fica sempre na 3ª pessoa do singular: Faz um ano. Faz 10 anos.
“A dó”: É sempre masculino, seja o sentimento e a nota musical. Tenho muito dó dos médicos que têm de escolher quem vai viver e quem vai morrer. O tecladista tocou um dó sustenido.
Há mais. Serão assunto do próximo post.